terça-feira, 22 de abril de 2025

sobre ser fora da casinha

a casa onde caibo
não cabe em mim
porque sou maior
que eu

fico fora dela
porque a carrego comigo

caramujo ou beduíno
tenho a casa movente
assim como eu
porque sou movente 

sou todos e sou nenhum
sou vários e sou um

erro as paralelas e as erro 
porque as quero tortas

não há casinha:
há imensidões

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

gris

gris.
como a vista, gris;
como a comida, gris;
como a alma, gris.

grande bobagem!
logo v(ê)em as cores,
embotando a tristeza
a fome e a dor.

no entre, sem fim
de possíveis, sem fim.
de vontades, sem fim
de afirmações e negações.

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noto repetir e pergunto
o porquê. Idiota!
repito para matar a mesmice.
repito para provocar o novo.
repito para testar a hipótese 
de que todo dia,
'inda que sendo dia,
é novo.

finalmente me foi dada
a chance de usar
nova tinta.

é mais clara.
é mais líquida.

pingou e 
sujou o papel.

atravessou.
que bom.

há tinta, por toda parte
a colorir mão, mesa rosto.

não pede licença ou tolera
a organização 
mas permite, em meio ao
caos, a escrita.

a perna direita balança 
ansiosa por algo que não
sei o quê.

a mão esquerda escreve.
até para isso sou ambidestro.
talvez a cabeça, trans
borda de tinta,
seja o necessário 
para viver.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

promissões

plantar uma árvore,
ter um filho,
escrever um livro.

dizem que é o que
cabe. não sei verdade, e quero
continuar testando.

ah, e cuidar. cuidar
de mim, e delas, e
de um futuro. que não
planejo. construo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

finalmente encontrei.
dizem que os monstros rapidamente morrem
quando têm nomes. sei o nome do meu:
nasci sem pele.

enquanto me querem 
vestido; enquanto me querem
coberto,
nasci sem pele.

grande dúvida da natureza,
e para meu próprio espanto,
hoje entendo:
nasci sem pele.

ao incômodo da ciência e da medicina,
me oferecem escamas, couros, outras peles. mas
nasci sem pele. 

bobagem! se tentam
me vestir; se tentam
me cobrir, lembro que
nasci sem pele.

não tenho
começo; não tenho
fim: dissolvo-me na terra.
nasci sem pele.

para o inconformismo da ordem, não vivo
sem. transbordo-me em não ter bordas.
quem quer a pele não sou eu. querem-na 
por mim. afinal, 
nasci sem pele.

a mim nada falta. porque 
vivo. se aos olhos do mundo vivo sem pele,
é porque o mundo agarra-se em ter peles. 
de minha parte, simplesmente
nasci sem pele.

não padeço. não me troco.
sigo a vida a não reconhecer bordas. isso porque
apenas nasci.
sem pele.


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

da faxina e da alma

hoje faxinei a casa.
subi na escada,
cuidei dos armários.

no chão, aspirador;
nos móveis, lustrador;
nos cantos, espanador;
na privada, esterelizador;
nas mesas, removedor.
ufa, terminei.

que ódio.
quanto ódio.
todo o ódio do mundo senti
ao ver a louça suja na pia.
quer dizer, então,
que de nada vale o ter faxinado?
de nada adianta o esforço da limpeza?

ah, coração. chore. 
chore todo o ódio que carrega.
Sim.
há que se viver a vida a faxinar a casa,
a desorganizar tudo,
a colocar tudo abaixo,
para a correta limpeza
que nunca termina.

louça. 
sempre haverá louça.
sempre haverá a lembrança de que 
quanto mais se limpa,
mais há que se limpar.
e não há problema nisso.
há, isso sim, oportunidade.

lavar cérebro na água quente,
com detergente e esponja grossa,
até alisar as rugas da tensão
que carrego na pele.
até fazer sangrar a mãe terna
que habita em mim.

se as estrias vivem a acumular sujeira,
na eterna desorganização dos sistemas 
a buscar o caos,
só me resta por os montes a derreter,
desorganizar ainda mais o sistema
buscando fazer do caos território de criação.

criação de cuidado
que sabe pouco e, por isso mesmo,
suficiente.

criação de calma
que sabe passageira e, por isso mesmo,
irritante.

criação de limpeza
que sabe inútil e, por isso mesmo,
necessária.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

da redoma que mata e não protege

como é possível?

justo eu, que tanto louvei
os pássaros,
as aranhas,
e até as pragas,
estranhar que a rosa do deserto
seja triste em redoma.

hoje mantenho minha rosa do deserto,
veja o crime,
ensimesmada por dentro de tela mosquiteira.
não há mais pássaros.
não há mais aranhas.
não há mais pragas.

também não há mais flores. 
quem diria. 
quer dizer então que as flores só são possíveis
quando abertas à vida?

ora, coração. não faça perguntas idiotas.
não finja espanto, diante do eternamente óbvio.

se há vida, e queira o acaso que haja,
é por obra da abertura.
o fechar-se é morrer, sem ser esquecido.
e só morre de fato o que se esquece.

Pulso da noite mal dormida

tum tum
a noite passa
tum tum
o sono não vem.
tum tum
uma imagem se forma.
tum tum
fico mero personagem
tum tum
pedindo ajuda sem saber a quem.

tum tum
o fogo pulsa
tum tum
no ritmo de um coração.
tum tum
ou no ritmo da fossa,
tum tum
de infinita extensão,
tum tum
em que estamos, em resignação?

tum tum
penso o poema.
tum tum
odeio o medicamento.
tum tum
odeio o teorema
tum tum
no qual todo meu desenvolvimento
tum tum
cabe em mero reconhecimento.

tum tum
não levanto
tum tum
para anotar a poesia.
tum tum
deixar o ritmo lento
tum tum
é o que cabe até que o dia
tum tum
dê conta de tamanha rebeldia.

tum tum
tum tum
tum tum


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

sábado, 12 de outubro de 2024

verbos do devir

a geladeira guarda
eternamente resfriados
alimentos há tempos passados

a dificuldade produz
longamente duros
sentimentos há tempos fétidos

esquentar o passado
amaciar o presente

produzir novas formas
dos verbos de ligação.

bonito que a gramática dê este nome
entre todos os nomes
aos verbos do devir, não?