domingo, 30 de maio de 2010

Perfume

O cheiro de antes
me passa, maldito seja.
A lágrima quase escorre, anunciando a dor
que nunca deixei de ser alegre.

O perfume dos risos e desejos,
ao voltar, anestesia. Quê fazer? Deixar
que me deixe ficar, talvez. Jogar-me
no tempo que todos dizem e
não cura (a ferida que não posso curada): queima. Eis outra opção.

II (o exorcismo)
Assim como não tratamos um Demônio, não
direi nomes, Letícia. Temo exorcisar-me de mim.
Os medos com nome somem mais facilmente.
Não quero que suma, Letícia. Não te direi o nome, Letícia!

Como memória, a voz de Cristo ordena, fique neste corpo,
Letícia!

E basta deste paradoxo por hoje.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Arquitetura (versão pessimista)

I
Os telhados, ao cobrirem casas,
cobrem muito mais que vidas.
(?!)

II
Em sincronia crescem:
a tonta vergonha humana;
o número de paredes e barreiras nos banheiros públicos.

III
O elemento mais poético da casa
é, sem dúvida alguma, a porta.
Abre-se e fecha-se.
Pessoas entram, pessoas saem,
pessoas ficam do lado de fora
passando fome
(é, ninguém pensa nelas).

A porta é linda.
(?!)

IV (mas eu prefiro IIII)
Janelas foram feitas para serem
abertas. É preciso permitir que o
mundo passe por elas.
Mas, se o esfomeado passar na sua frente,
feche-a. Não queremos nem a imagem disso dentro de casa.

V (IIIII)
Sabe, costumo ter nojo de ser
esta coisa cerumenta
chamada ser-humano.
Quero ser louco(!):
uma casa sem telhado, com banheiros sem paredes,
portas sempre abertas, e janelas sempre
ridiculamente arregaçadas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Cidade Grande

Não raro, me acontece uma cena fascinante que merece ser contada. Tendo um espírito metido a poeta, do tipo que não se contenta com o simples, estou sempre me "espantando diante do banal", como diria Rubem Alves. Segundo este homem maravilhoso, quem tem esta capacidade são as crianças. E, isso quem diz sou eu, todo poeta é uma criança. (Pensando bem, essa última frase é tão óbvia que já deve ter sido dita por outro alguém... Mas eu desconheço. Continuando.)

Pois bem, nessa de me espantar diante do banal, estou sempre exclamando pela rua: "Olha, que flor linda."; "Cacete, que pôr-do-Sol maravilhoso!"; "Nossa, olha a vista que tem aqui..."; "Haha, que engraçado este inseto.", e por aí vai. A cena interessante que comentei é essa: sempre que faço isso, sou confrontado com a fala: "Tinha de ser da cidade grande!". Fascinante, não? Nessas, acabo sempre me esquecendo da coisa que comentava, e começo a sentir pena da pessoa que deu essa resposta... A coitada - eufemismo pra fudida - da pessoa simplesmente não consegue ver a beleza que eu vejo. Pobrezinha!

Agora, cá entre nós, sabe o que eu tenho vontade de responder quando isso acontece? Sinto uma enorme vontade de falar: "É, cresci na cidade grande mesmo. Mas, maior ainda, muito maior que qualquer cidade grande, é o que carrego aqui dentro; é a vida para qual devo satisfações; é meu desejo de alegria; é a ridícula, imensa, beleza desta coisinha banal do interior." Não falo porque sei que isso ofenderia a pessoa. Ela pensaria que, se eu me digo grande por ver algo que ela não vê, ela é pequena. E ninguém gosta de ser lembrado sobre o quão pequeno realmente é... E o pior é que somos, na verdade, muito pequenos.

Sonho com um mundo onde minhas exclamações de espanto pudessem render horas e horas de conversas tontas sobre coisas tontas. E isso tudo seria maravilhoso. Mas não: o tonto é tonto, ponto final.

C'est la vie.Ou, pelo menos, o que fizeram dela.

É pena...

terça-feira, 25 de maio de 2010

la vie en rose

é importante entender que
não importa quê venha a acontecer
seremos sempre prostitutos de nós mesmos

sábado, 22 de maio de 2010

Copos

E os copos levantam.
O dia começa, ainda é
cedo: há homens nas ruas,
e os copos.
E os copos levantam.

Com café e talvez leite,
uns estão mais inclinados que outros,
e os copos.
E os copos levantam.

O trabalho espera enquanto a cama chama:
é preciso energia para suportar a vida,
e os copos.
E os copos levantam.

Estão pelas padarias,
estão pelos bares,
estão pelos botecos.
Não estão na mesa dos ricos:
ainda dormem,
e os copos.
E os copos levantam.

Bom dia, São Paulo!
Levanto meu copo com você.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Cotidiano 3

Ele não dá conta
nem do que tem em casa,
cê acha que ele ia ter arrumado
uma amante...

Magine!

Oxe...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

uma poeagem / um imaema

uma qualquer

Uma maravilha fora do comum, acho que finalmente
entendi o conceito de beleza interior.
Mas não é interior! Grita por todo seu ser
a coisa linda que é.

As mãos calejadas, os olhos doídos,
as pernas gastas, os cabelos sujos.
E ri, e canta, e samba, e cria,
e vive, e ama, e vibra, e transa.

Ô cacete de mulher bonita(!)
esta
que passou por mim
hoje.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

sobre o Tamanho, os Passos, a Existência, o Corpo e o Sapato

I
Passos duros e largos
levam o corpo ao longe, sem
saber onde chegar.

O corpo é grande demais, tão
grande que não caibo em mim.
O corpo é pequeno demais, tão
pequeno que em mim não cabe.

É hora de viver! Morte, aproxime-se!
Sim, morte: é por medo dela
que apenas existimos com nossos passos
duros e largos, mas não sabemos onde chegar
com a pequena grandeza do corpo.

Cansei de existir.
Que venha a morte!
Agora, quero viver.

II
Vivemos assim como temos sapatos: sempre
evitando a falta.
Por pensar no preço do sapato, fingimos não saber
que a única razão de vida dele é ser andado até seu fim. Evitamos
o barro, evitamos o roubo, evitamos a chuva, evitamos o corte, evitamos o desgaste.
Quando nos damos conta, o tempo passou e o sapato não foi nem meio andado.

Isomericamente, fingimos não saber
que a única razão (natural) de nossa vida é viver.
Economizamos a sola de nosso ser:
pomos a vida em caixas e evitamos
o barro, evitamos o roubo, evitamos a chuva, evitamos o corte, evitamos o desgaste.
Quando nos damos conta, morremos sem termos vivido.

III
Cansei de existir.
Que venha a morte!
Agora, quero viver.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

pisar na grama

Quando andamos, muitas vezes acontece, a
calçada vira à esquerda, mas queremos ir em frente.

Quando sabemos onde queremos chegar, é
preciso que aceitemos, acabaremos pisando na grama.

Que Deus nos desculpe, mas pisaremos...
Comme ça,  c'est la vie, mon ami.

Escola

Quando o dia chato acaba, e
o travesseiro beija a nuca,
só o que me sobra é
o eduçacão que recebi na escola.

A vida é tédiosa? Agradeça,
com muito carinho, a todos
os seus educadores.

Agora, se o dia foi legal, não duvide:
hoje, hoje não teve aula.